Organizar a Prevenção
O aumento da esperança de vida, provoca um maior consumo de recursos na Saúde. Centros de cuidados intensivos nascem por todo o lado, numa verdadeira moda, destinados ao tratamento de doenças agudas mas, essencialmente, de complicações de doenças crónicas; nestes casos as mesmas poderiam ter sido prevenidas, caso os cuidados de saúde tivessem sido devidamente planeados e geridos.
O planeamento dos cuidados preventivos cursa, de forma isolada, na criação de consultas disto, daquilo e daqueloutro, desprovido duma necessária abordagem integradora de todos os factores de risco para determinada patologia. Mais não é que um jogo de quintas e de vaidade, carente de eficácia e de estratégia.
A patologia cardiovascular é a principal causa de morte e de morbilidade em Portugal, responsável pela perda de anos de vida e de importantes gastos na Saúde.
Certamente, não é com Unidades que preveniremos o crescente número de vítimas mas sim com a identificação, tão cedo quanto possível, da potencial população em risco, portadora dos factores predisponentes à ocorrência daquela patologia. Os congressos de Medicina, anualmente realizados, dão conhecimento das Normas de Orientação Clínica (Guidelines) internacionalmente aceites, permitindo o estadiamento da população de risco criterioso, assim como o seu tratamento.
Do ponto de vista organizacional, não tem cabimento haver consultas isoladas de factores de risco (diabetes, lípidos, hipertensão arterial), já que melhor integradas seriam numa grande Consulta de Prevenção Cardiovascular, embora, em termos de informação propícia a cativar a população alvo assim fosse necessário vendê-las.
As especialidades médicas são chancelas de aptidão e de formação básica de actuação e de cultura médica, porém, mais que um “título”, o melhor médico é aquele que mais se interessa pela patologia, pela doença e pelo doente. Haverá classes de médicos mais aptos a dirigir uma Consulta de Prevenção Cardiovascular? Penso que sim. Os médicos com formação de Medicina Interna são, pela vivência inerente à sua especialização, os mais adaptados.
Mas nem só deles pode viver essa consulta. A multidisciplinaridade dos técnicos é fundamental. Dado que a abordagem da doença implica alteração de comportamentos no dia-a-dia, a presença de um dietista/nutricionista, um psicólogo e um professor de ginástica (!) são parceiros de primeira linha. A realização de exames auxiliares de diagnóstico, específicos, coloca o Cardiologista numa linha avançada de apoio, assim como o Oftalmologista e, provavelmente, o Podologista e o especialista
Onde colocaremos estas Consultas a funcionar? Os Hospitais são locais de saúde demasiado abertos, incapazes de cativar a população-alvo e incapazes de conter durante anos a população rastreada. Os Centros de Saúde poderiam ser pioneiros, mas estarão capacitados de técnicos motivados para esta abordagem? Serão os Centros de Saúde capazes de romper com os vícios de funcionamento caracterizados pela imagem que o utente faz do próprio Centro? Faltaria, também, a articulação com a totalidade dos técnicos de primeira linha.
Os sub-sistemas de Saúde podem desempenhar essa função de uma forma primordial. Se por um lado, podem ter perfeitamente identificada a população de beneficiários (na qual se aplicaria a estratégia de rastreio) e capacidade para a acompanhar, de forma planificada, ao longo dos anos, por outro, não seria difícil adquirir técnicos de saúde aptos e motivados para a implementação do Plano. Apenas um senão, o sistema contratual, a política de recursos humanos, deverá ser muito mais forte, próxima e de longa duração…a bem da eficiência do objectivo: prevenir os factores de risco, diminuir o número de novos casos da primeira causa de morte em Portugal, a patologia cardiovascular!